sábado, maio 27, 2006

A Ilha do Desassossego



Mais vale uma sardinha com paz que uma galinha com guerra
Provérbio Popular


A pequena ilha de Taiwan, apelidada de Formosa pelos navegantes portugueses, representa no mapa geopolítico uma anomalia diplomática e política ainda longe de uma solução. Situada a 160 quilómetros da costa sueste da Republica Popular da China (RPC), o pequeno território tem constituído para a China um “osso duro de roer”. Ainda no século XIX, concretamente em 1895, seria anexada ao Japão após o final da Guerra Sino-Japonesa. Os nipónicos iniciaram uma ocupação que duraria até ao final da Segunda Guerra Mundial (Conferência de Postdam - 1945). Entretanto, o reatamento da guerra civil chinesa, que opunha as forças nacionalistas de Chang Kai-Chek e as forças comunistas de Mão Tsé-tung, acabaria com a vitória destes últimos e o refúgio dos primeiros na Formosa, agora desocupada (1949). Taiwan, juntamente com as ilhas costeiras de Quemoy, Matsu e Taschen, permaneceu no controlo dos nacionalistas até aos dias de hoje.
Desta forma, a China ficou dividida em duas, de um lado a República Popular (RPC), comunista, composta por toda a massa continental; do outro, a República da China (RC), de cariz nacionalista, correspondendo a uma pequena parcela de terra. Naturalmente que os chineses, após a ocupação da Formosa pelas forças nacionalistas, pretenderam varrer o pequeno enclave, todavia, os acontecimentos seguintes diluiriam as pretensões beligerantes dos chineses. No ano seguinte a intervenção chinesa na Guerra Civil da Coreia arrastaria para a região os Estados Unidos da América, sob o comando do General Douglas Mac Arthur, empenhados em travar o expansionismo comunista. Para além da colaboração com as forças da Coreia do Sul, os americanos, protegeriam Taiwan de uma possível invasão chinesa. A obsessão americana contra o comunismo votaria a China Popular a um “ostracismo” pela maior parte da comunidade internacional; apenas um pequeno conjunto de países reconheceria legitimidade ao poder de Pequim. Quem no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) tinha assento permanente era o pequeno enclave nacionalista. Na realidade tratava-se de uma representação “fantoche” nas mãos dos americanos. Nas palavras de Ramón Tamames, este acto foi uma “manifestação, talvez a mais ostensiva, do imperialismo americano, ao não reconhecer a um país de mais de 800 milhões de habitantes [hoje um bilião e trezentos milhões] o papel que lhe correspondia nos destinos do mundo e dentro de um continente asiático de que os E.U.A quiseram ser, como em toda a parte, o único e indiscutido regente.” As relações diplomáticas da China popular reduziam-se à via do Pacto de Varsóvia (1955-1991), constituído por um núcleo de países comunistas com o objectivo de fazer frente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A partir de 1971, todavia, o cenário altera-se radicalmente. O Presidente americano, Richard Nixon, vai aproveitar o clima instável entre a China comunista e a União Soviética para encetar uma aproximação ao Império do Meio. Numa altura que a União Soviética parecia desenvolver um plano militar contra a China, esta tinha nos Estados Unidos um escudo protector contra os soviéticos. Nixon ao alterar as regras do jogo reequilibra as grandes forças mundiais através da chamada “diplomacia triangular”. Desta forma, num golpe diplomático implacável, Taiwan passa de “bestial a besta”; o Governo de Taipé passa a ser interpretado como ilegal e a Formosa é afastada da ONU.
Hoje, a RPC reitera a soberania sobre a Formosa, como sendo a sua 23ª província, enquanto o governo nacionalista, liderado pelo Partido Democrático Progressista (PDP) de Chen Shui-bian, manifesta intenções pró-independentistas e contra o princípio de “uma só China”. Numa altura em que a União Europeia parece querer desmontar o embargo militar à RPC, importa entender as consequências que daí podem advir. Apesar de tudo, a minha percepção aponta para que não haja uma intervenção militar chinesa. O envolvimento económico internacional do governo chinês deixou para segundo plano os investimentos bélicos, ainda que esteja envolvida num aprimorado programa espacial. Uma intervenção militar, antes de mais, significaria um remexer no cenário geopolítico com inevitáveis consequências diplomáticas. Os Estados Unidos não ficariam, certamente, indiferentes e despoletariam um conflito com contornos difíceis de balizar. Por outro lado, sob o ponto de vista logístico, a intervenção militar obrigaria a uma longa preparação estratégica e a um empenhamento quixotesco por parte dos chineses. Além disso, a capacidade militar aérea e marítima chinesa assemelha-se à capacidade de Taiwan, remetendo a supremacia para questões balísticas. Espera-se, portanto, que as partes encontrem a clarividência suficiente para encontrar uma solução pacífica para a região e para o mundo.

Jorge Tavares Silva

(Publicado no Diário de Aveiro)

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